Neuropop
Mesmo se as estrelas começassem a cair
E a luz queimasse tudo ao redor
E fosse o fim chegando cedo
E você visse nosso corpo em chamas
R Russo
as canções ricocheteiam no céu azul a cidade trabalha como todo dia
várias cidades trabalham em todo o mundo como todo dia
tantas alegrias tantas dores fábulas e canções desejos e dejetos
sob o céu das cidades uma bomba explode sob o céu azul
de goiânia
Não se trata da bomba de Hiroshima, cataclismo de uma cidade inteira, explodida pelo exército inimigo, mas de uma lenta explosão que começou no descaso, no Instituto Goiano de Radioterapia, passou pelo abandono e desconhecimento das vítimas, pelo preconceito que sofreram por serem vítimas, pela ineficácia (bem brasileira) do estado em fiscalizar o uso da cápsula de césio abandonada e tratar desumanamente as vítimas, pela eficácia do estado (bem kafkiana) ao tratar desumanamente as vítimas, ao ocultar os fatos e proteger a cabeça dos cabeças.
uma bomba que explode ainda lenta no corpo de quem sob o céu azul
de goiânia se encantou com o azul brilhante de uma cápsula de chumbo
de quem sem saber teve o corpo atravessado pelo eco invisível
do azul
Um evento desastroso costuma ser didático em suas irradiações. É que ele costuma disparar uma série de processos em gestação (quase invisível) no ventre de uma sociedade, como, por exemplo, a sanha das massas em se recortar dos organismos indesejados (como se dava com os leprosos), em apedrejá-los, alijá-los, torná-los lixo humano (como foi e é, ainda, com soropositivos, negros, árabes e judeus, entre tantos). Disparar os ferros do estado (inclusive o democrático) no corpo das pessoas, o estado que Kafka soube mais que ninguém.
uma bomba que irradia em rede com outras bombas como hiroshima e chernobyl
como o holocausto 11 de setembro iraque palestina
como o apartheid e tantas outras às vezes tão pequenas tão pouco pop
que suas ondas não nos chegam às antenas a bomba
da segregação e do abandono a bomba de ódio
que as massas trazem no seu ventre podre
à espera de uma catástrofe para disparar ou que a dispare
na terra
azul
de gagarin