Neuropop



A vida, o amor, a morte, a realidade:
— tudo agora virou fast food.

(Francisco Carvalho)

Tudo é fast food, caro Renato, inclusive você, servido pela Globo num jantar à meia noite, como um exu. E mesmo assim me comovi. Você sabia o que queria, em que mundo você estava, as forças que te moviam, que nos moviam naqueles anos 80?

Você apaixonado por outro rapaz, tímido, drogado. Eu te escutava fascinado, apaixonado pelas meninas sem me declarar, mergulhado na adolescência rica em hormônios e pobre em palavras. A sua música foi a trilha sonora de minha (de muita) adolescência. Adolescência... A adolescência é um filme americano, cheia de clichês, como o rock.

Éramos, eu você, uns ingênuos, a sua arte era ingênua e pobre: canções para alimentar a histeria das garotas e o caixa das gravadoras. Canções revoltadas e doídas, toscas, barulhentas, sentimentais. Que forças moviam os donos das gravadoras, os empresários, os produtores, os descobridores de talentos, os fãs... Os fãs (eu junto) que te amaram desesperadamente! Um amor meio mórbido, desses que se alimentam da dor e da morte do amado que tomba ressequido. Como você tombou Renato. Estes vampiros. O rock é um fast food sanguinolento: o corpo dos roqueiros no palco, no altar, como num sacrifício maia.

Crescemos, não somos mais uma legião de ingênuos, Renato. Casamos, criamos filhos, pagamos as contas, planejamos o futuro, aprendemos com o passado, trabalhamos dia após dia, incansáveis. Não temos mais ilusões nem somos melancólicos. Se tais coisas nos acometem, há sempre um psiquiatra de plantão com um antidepressivo na mão. E logo nos curamos. Não temos tempo.

Lembramos de você (e de nós, porque se trata de nós, tão jovens) como um velho recorda que havia doçura quando criança, sem precisar bem o gosto dessa lembrança esfumaçada e passageira. Recordamos por alguns minutos, ternos e noturnos, antes do sono baixar em nossos corpos cansados: único momento em que os trabalhos e a TV e todo o barulho do mundo se calam no corpo. Não temos mais todo o tempo do mundo, Renato.

E mesmo assim, em meio a esta zoeira elétrica que nos infesta a cidade, quando vislumbro a sua voz dilacerada (pobre música), algo que foge se acende tênue neste corpo frágil de carbono.

(Ainda resta um fiapo de sentimentalismo perdido numa sinapse qualquer do corpo, Renato. Mas isto também é fast food.)