Número 10


Camisa 10 canarinho

Um gol de placa é aquele gol espetacular, que todos sabemos como é, mas, simultaneamente, não sabemos, porque nenhum gol de placa é igual ao outro. Na verdade, somente sabemos que um gol é de placa porque ele não se parece com um gol comum. Podemos dizer que, levando em conta toda pinha de gols colecionada até hoje, o gol de placa é o velo dourado que cintila no volume do rebanho. Ele é a diferença na quantidade. Mas pode ser como o dente dourado na boca, que fica bastante feio, e lembra aqueles meliantes de quinta da cultura cinematográfica hollywoodiana.

Um gol de placa, por metonímia, pode ser também o camisa 10 da Seleção canarinho ou dourada ou brasileira, quando o tal camisa 10 era Zico ou Pelé. No caso do Vasco da década de 1980, não posso me esquecer de Roberto Dinamite — e não sou, não fui, não serei nem quero ser vascaíno nem –ino nem –ista nenhum ou algo que o valha. O caso é que estes nomes (Zico, Pelé e Roberto Dinamite) cintilam no volume do rebanho. Enquanto os outros baliam ou balem, eles latiam, e assevero arriscar que ainda hoje latem.

Segundo está publicado em minha biografia proibida — e uma biografia somente pode ser a diferença na quantidade se proibida —, eu nasci de quase 10 meses de idade. Nesse caso, eu não sei exatamente dizer se se trata de idade de feto ou de bebê. Julgo que isso é uma aporia, e como todas as aporias, deverá para sempre residir no hiato insolúvel da dúvida. Esclareçam em seu juízo, caros leitoresnautas, que a aporia diz respeito a se a idade é de feto ou de bebê até antes de alguém nascer, e não sobre que nasci de quase 10 meses. Quase 10, por aproximação óbvia — afinal de contas, não há um terço, meio nem dois terços de gol —, é efetivamente 10. Um nascimento assim só pode ser um coisa escandalosa. A pena é que, nem sempre, o velo que se destaca na branquidão da velaria é um velo dourado, quer dizer, um velo de valor sobressalente.

Doravante, esteja resolvido que a diferença na quantidade pôde gerar Zico, Pelé e Roberto Dinamite assim como pôde gerar George W. Bush (o filho, e o pai também, que dá no mesmo), ou seja: a diferença na quantidade pode merecer lenidade ou desprezo — quiçá indiferença.

Assim a white and noisy family chegou a ruído branco 10 ou a diferença na quantidade. Como estou definitivamente convencido — e se eu estou convencido, é muito difícil me desconvencer — de que nós não merecemos desprezo e muito menos indiferença, logo, pela obviedade do processo de eliminação e sobra — se é que existe esse processo e, se existe, se é que ele é óbvio —, nós merecemos lenidade. Saibam todos que não aspiramos à condição de Zico, Pelé e de Roberto Dinamite, assim como não aspiramos à condição do Velo de Ouro — principalmente deste, porque ninguém tira de minha cabeça que esse Velo desbaratinou a cabeça de Jasão, transformando-o no miserável que despirocou o juízo de Medéia, até que ela foi levada à insanidade de matar os próprios filhos. O ouro soube à cabeça, e nisso a cabeça degringola.

Agora, indo para outro foco do problema — e, sinceramente, é possível que não haja problema nem foco nenhum que seja —, ruído branco, nesta edição, está um tanto quanto diferente. Passeiem pelas colunas e procurem observar como muito de nossa linha editorial foi, de certo modo, corrompida aqui e ali. Nesse caso, não se esqueçam: a corrupção é própria para lenidade, porque é um gol de placa ou, pelo menos, um velo dourado, embora jamais de ouro. Certamente, é uma camisa 10 canarinho cintilando no volume do rebanho. E me permitindo o clichê ao qual me reportarei novamente: Boa leitura!



jamesson buarque