Hexercício Íbrido


Choupana

Então ela me perguntou quais eram as coisas mais importantes pra mim. Eu disse minha cachorrinha morta, meu pai internado, meu irmão preso e minha mãe que eu ainda vou encontrar qualquer dia numa rua qualquer. Qualquer.

Eu senti que. ela engoliu um suspiro. Devia estar desenganada daquela carreira, daqueles nós.

Mas eu também não sabia por que raios estava deitado naquele divã cansado. Não que não acreditasse ou, no mínimo, respeitasse aquela ciência, mas nunca acreditaria que teria a sorte o destino o acaso de encontrar os raros que a.

Foi então que comecei a me dar conta de que a observava através do escuro que nos separava. E me perguntava, nada que fosse anormal, como vivia aquela pessoa. Por que chegou ali?

Foi então que comecei a chorar. Senti que. ela me olhava penalizada. Eu também.

Imaginei que devia ter um casamento perfeito, do tipo que nunca desejou ter. Sem porquê. Que seus filhos eram porquinhos rosados. Que se depilava de dois em dois meses. Virilha. Axilas, duas semanas. Percebi quando abriu a porta do consultório, pela discrição pudica dos braços quando não havia necessidade de ser.

Falei por metáforas alguns minutos. Toda aquela multiplicidade cheirando a hipocrisia do lustre. A queda dele. Os cacos roendo minha retina. Até onde ver a queda nos olhos. Até quanto suportar enxergar a queda até nunca mais ver. Segundos.

Concordou que a vida é mesmo efêmera. Que dura um dia.

Me percebi me imaginando apaixonado por ela também. Mesmo com.

não.

Me repugnava. Sim sim, me dava pena. Toda aquela calma das cores dos móveis derretidos e caindo no balanço amarrado dos seus pés.

Seus dedos gritando mais que ela. Seus calos socando o ar.

Seu salto ereto, cansado.

Foi então que percebi que me excitei. Não, não era ela, não eram seus dedos, mas, claro, a possibilidade do salto ereto. Sua pressão selvagem de suportá-la desengonçada e extremamente incomodada com ele. Comigo.

Foi então que sorri. Foi então que ouvi que. desistiu de falar.

Ficamos com o seu quase. Mais alguns minutos em que seu quase.

Foi então que quis ir embora.

Ela suspirou muito. Raios. Aquele era apaixonante. Havia saído totalmente. Me casaria com ela, comeria assados todos os seus porquinhos, penetraria-a com seus saltos, rasparia todos os seus pêlos todos os dias enquanto a vida durasse.

Magnífico. Seria seu rei e nunca mais teríamos que estar ali. Fingindo nos entendermos.

Nunca mais como um sonho.

“do sonho” [guache sobre papel paraná, 50 cm x 39,5 cm, 2007]






Dheyne de Souza

Dheyne de Souza nasceu em Cristalândia- TO, cidade menor que Vianópolis-GO, para onde foi com dois anos e que tem menos habitantes que o campus II da ufg e que fica a 96 km de Goiânia, cidade esta em que está, no momento. Dheyne às vezes fala, quase nunca de forma audível e às vezes ri muito, inclusive de si mesma, inclusive é muito engraçada, embora. Dheyne às vezes é bacharel em literatura, às vezes fez letras, às vezes nada. Sempre escreve e voltou a desenhar. Não gosta de comer e seu nome é como Jane, em inglês, vulgo mulher do Tarzan. Dheyne não é mulher de ninguém, o que não é menos perigoso. Ela faz planos, dorme e cai. Fala com vacas.
E-mail: dheyness@gmail. com