Neuropop





oh meu bem, você não sabia?

o mundo é uma disneylândia

z.p.




As torres estão plantadas. Francisco quer se suicidar aos 17 e sua mãe não sabe, bêbada demais. João gasta todo o dinheiro de pedreiro com maconha e putas enquanto a mulher vegeta à toa na casa da mãe, com preguiça de levar na escola o Chico, que cresce analfabeto. Sua irmã Maria engravida adolescente no banco de um gol roubado ao som de Wanessa Camargo. As torres estão plantadas, indiferentes ao turbilhão de sonhos — que circulam nelas.

Há lixo demais na cidade, latas, garrafas, fraldas cagadas, novelas, pilhas velhas, camargos, faustões, cartazes, catarses, trocadilhos, segundas intenções. Há material demais para um artista pop e há, sobretudo, lixo humano descartado nas margens, homens-trapo com sonhos vagabundos. Que sonho não seria vagabundo? Que homem, nesta cidade, não seria maltrapilho?

O homem rural era enraizado, dizem. Sua cultura era uma raiz, um chão de valores, costumes, gostos, arte, trabalho, ao qual ele se prendia sem muita dúvida. O homem culto, civilizado, também se enraizava na alta cultura, nos bons modos, na aura aristocrática. A classe média não, ela é pobre em raízes, não há nada que a prenda, bóia a procura de cultura. Por isto ela expropria a cultura popular, estropia a erudita e pare o pop, a cultura-flor-sem-haste, a ultra-superfície e, no entanto, a classe média quer raiz todo o tempo, ela multiplica as igrejas, os livros de auto-ajuda, os exoterismos, os hábitos salutares, a disciplina asceta, a saúde atlética, os comedimentos, a família, ela familiariza tudo. Ela estabelece o horizonte do homem demarcado de sonhos razoáveis, um horizonte móvel e, no entanto, desejando a paz das certezas, que nunca vêm.

Caro Dr. Savóia, o que é necessário para que nos tornemos um país desenvolvido, sem tantas desigualdades?

É preciso estabelecer um plano sério de educação integral, principalmente para os filhos das famílias de baixa renda, muito suscetíveis à desestruturação de seu núcleo familiar, por problemas de ordens diversas, como alcoolismo, doença, desemprego. Conjugada à educação integral, faz-se necessário toda uma rede de proteção social, inclusive para a capacitação de adultos para o mercado de trabalho. Conjugando, ainda, estes esforços sociais com o crescimento econômico, menos financista e mais atento ao setor produtivo, poderemos nos tornar um país realmente desenvolvido, no qual não haja miséria, as pessoas tenham conforto e longevidade e sejam verdadeiramente cidadãs.

A Europa, o Japão, os EUA, a classe média em massa, a massa, o Pop. Amamos o pop. Queremos o pop. É a única coisa que nos resta, a utopia possível, vida longa e confortável, o sentido da vida, o menor sofrimento, o mal menor, o Pop.

Bruno & Marrone cantam mais um sucesso no Gugu. Xuxa toda manhã. Fátima leva um pacote de maconha para um cliente de seu namorado, os pastores pregam, catadores de lixo riscam o asfalto puxando carroças de roda de bicicleta, putas e travestis ganham o seu e todos sonham com o último sucesso do cinema americano.

Imagine um troço que bóia, um troço de sonho que bóia no real, ou ainda um troço real feito de sonhos boiando no caos da existência, no caos de uma cidade. Alguma coisa que só tem movimento, velocidade, circulações, rasuras, ruínas e ranhuras. Algo do qual a verdade passa longe, embora a vontade de verdade seja a sua força motriz, como se a verdade fosse o canto da sereia. Um troço mais audiovisual que escrito, encharcado de dinheiro até a saturação de seu tecido esponjoso, impregnado de desejos. O Pop.

Tudo é pop, tudo que a boca-olho-ouvido pode é pop, rock, punk, cult, mpb, nicho pop. Os fragmentos. O pop são os cacos de vaso nenhum. Os sonhos brotam mortos. Proliferam um bafo pestilento e sedutor. Em nome da democracia, da cidadania. Os críticos denunciam. A crítica é pop, a política, a escrita, deus, o diabo, a consciência, a ciência, a arte, o esporte. O mesmo hálito pop. Sopro de vida ao pó. Francisco é um vagabundo. João é um viciado. Maria é ninfomaníaca. As antenas estão plantadas.






Wilton Cardoso

Apareceu em Morrinhos/GO - 1971. Compulsão crônicaguda por escrever: poemas, ensaios... Leitor obcecado. E obsessivo. Mas preguiçoso. Mora em Goiânia. Caipira, caipora. Vive ao léu, como todo mundo.
E-mail: naumarginal@yahoo.com.br