Patchwork


O Percurso da Linha como Elemento Expressivo na Pintura

Parte II – Kboco

Por volta de 1946, as pinturas de Pollock já não apresentam imagens tão reconhecíveis, o que se torna reconhecível é a atividade do próprio artista na superfície da tela. Essa atividade, além de revelar a própria vida no momento da pintura, modela todo um vocabulário de arquétipos, mitos e criaturas que afloram dos experimentos do artista. Na medida em que o ritmo da pintura de Pollock se acelera, como se o processo de aplicação da tinta fosse um meio para a vida mimética, a superfície da tela se torna insuficiente para comportar os movimentos expressivos do corpo do artista.

A solução encontrada por Pollock é a de abandonar a pintura de cavalete e colocar uma tela muito maior no chão. Essa nova abordagem dá um vigor maior ao expressionismo abstrato de Pollock e favorece o uso de técnicas que revelam a expressividade de suas linhas:

A adoção da técnica de tinta respingada e jogada, e de pincéis completamente secos, varetas e colheres de pedreiro como ferramentas, pode ser também explicada, em boa parte, em termos práticos: por esses meios Pollock pôde manter uma posição relativamente vertical, distanciada do chão e da tela. A postura de pintar à distância de um braço não pode ser mantida para uma pintura estendida no chão da mesma maneira que diante de um cavalete ou de uma parede. [...] Pollock era um pintor rítmico desde o início — tornou-se inevitavelmente mais expansivo, envolveu movimentos mais amplos e mais demorados da mão que controla a aplicação da tinta. (STANGOS, N. Conceitos da Arte Moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 155-156).

Fazendo um salto no tempo, nesse percurso da linha como elemento expressivo na pintura, chegamos aos dias atuais com o “grafite abstrato” do artista plástico goiano Márcio Mendanha, o Kboco:

Kboco trabalha, sobretudo, com o grafite, com a utilização conjunta de rolo e spray, usando predominantemente a linha, que pode ou não se tornar figurativa. A espontaneidade e a gestualidade da obra de Kboco reativam o “automatismo” proposto por Pollock, isto é, o grafismo como forma de “autodescoberta”. De acordo com comentários do próprio artista, sua grafitagem ocorre de forma “xamânica”, as imagens surgem de gestos naturais e espontâneos. Isso também colabora para a evocação de elementos do imaginário pessoal do artista. Apesar da beleza e da suavidade das imagens de Kboco, seu trabalho também revela tensões e conflitos tanto no interior das obras quanto no ambiente que as acolhe:

Uma das bases do trabalho do artista é justamente o estabelecimento de relações com o ambiente. A observação dos espaços urbanos, especialmente aqueles que necessitam de revitalização, é essencial para a realização da sua pintura. “Hoje em dia não temos mais a preocupação de pintar na rua pra todo mundo ver. O lugar é que pede a pintura, a textura que leva anos pra se formar, a ruína... A gente pinta com a sujeira da cidade”, comenta Kboco:

A evolução da pintura no mundo se dá através de embates e conflitos, entre eles, aqueles relacionados aos aspectos da linearidade e da tridimensionalidade. O resultado desses debates é, antes de tudo, a expansão dos limites expressivos e criativos dos artistas em todos os tempos.

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Kboco nasceu em Goiânia, em 1978. Seu trabalho é marcado pela suavidade das linhas e pela influência de pesquisas sobre as culturas africana e egípcia e, também, pelo estudo da caligrafia árabe e persa. Kboco participou, entre outras mostras relevantes, da Bienal de Valência, na Espanha, em 2007. O artista mora atualmente em São Paulo e realiza projetos em conjunto com a Galeria Choque Cultural.

kboco7@yahoo.com.br

www.myspace.com/kboco





Patrícia Ferreira Martins

Patrícia é artista plástica e, atualmente, doutoranda em letras e lingüística pela UFG. Adora música alternativa na linha punk rock e grindcore. Também adora literatura, assistir televisão, surfar na internet, comer pipoca no cinema e tomar mirinda com os amigos. É casada com o Wellington.
E-mail: patricia@wsmartins.net