Editorial
Provocação primeira: Wesley Peres sempre nos dá a imagem-que-não? Em “Vaca de nariz sutil”, ao dispor o poema “Coisicidade” e o objeto-visual “Biografia de quando não vivi no Sertão”, em diálogo com “Goiânia”, de André de Leones, teríamos diante de nós a materialidade da palavra em nome da imagem? Suponho, e somente vocês, leitoresnautas, poderão debater com esta provocação, que a imagem-que-não de Wesley Peres forma o casamento de forma-em-si e paisagem mental e semântica que não pode ser traçado nos limites da referencialidade e das ablações das propriedades de alguma verdade.
De certo modo, a natureza verbo-visual da poesia de Wesley Peres é parente das imagens-em-nome-imagem-mesmo de Frederico Martins, da coluna “Cova do corvo”. Então a provocação se aguda: “imagem-sonho”, “cosmo” e “fundamento” são a poesia com segredo para dentro das colagens? Creio que, segredo, guardamos no bolso. Sendo assim, seria possível dizer que o poeta Frederico Martins os desguarda, pintando-os aos olhos em vozes de um ruído branco afeito em busca de um caminho sem geografia contra a angústia a serviço do grito? Quem aceitar meu convite, poderá discutir se de Peres a Martins a imagem-que-não se grava em nossos ouvidos pelas vistas. Creio que eu que os havia previsto em “página p.”, embora tenha citado apenas o primeiro. Com o não-manual “pautas da escritura ou biografia das pétalas”, este colunista da “página p.” terminou prevendo o segundo poeta, Frederico Martins, sobretudo na sétima pauta. Coisa bastante legítima de ser contestada.
Esse conluio interativo, suponho, caros leitoresnautas, não pára por aqui. Saltando para “Patchwork”, meu juízo implica que Patrícia Martins enche nossos olhos e acena de bem dentro da inteligência com seu texto “João Colagem: a Insustentável Leveza”. Nele, a colunista nos apresenta o artista plástico João Colagem, de Trindade/GO, radicado na Holanda. Dialogando com a primeira proposta, “A Leveza”, das Seis propostas para o próximo milênio, que são cinco, de Ítalo Calvino, a colunista interpreta João Colagem como um Perseu, cujos gestos artísticos se fundem em gestos de ação social que integram o sublime da arte à vida cotidiana, para o desenvolvimento da inteligência e da sensibilidade contra as máquinas de anti-ação da sociedade partidariamente organizada. Seria o caso, intriga-me o texto a pensar nisso, ver o mito de Perseu no trabalho de João Colagem? Eis minha provocação segunda, afinal, nossa colunista pode estar volvida por alguma particularidade e vocês, leitornautas, podem querer encontrar algo de mais legítimo nisso, uma vez que Patrícia Martins não se limita apenas a informar quem é o artista plástico.
Em “Neuropop” a ética da ação social, parece-me, volta à cena. Wilton Cardoso, em um ensaio que intrigantemente ele chama de “Conto turístico”, aproxima e afasta a indústria de turismo que age sobre Caldas Novas e Goiás (a Vila Boa). O colunista incita que a destruição da paisagem urbana, bem como o processo volátil de construção e substituição de edificações e comércio, é obra da máquina voraz do capitalismo. Embora reconhecendo que esta máquina age em Goiás, convertendo a cidade em mercadoria, Wilton Cardoso, no entanto, observa que neste caso há um serviço memorial cidadão, ao contrário do que ocorre em Caldas Novas. Isso me obriga a uma provocação terceira: estando Goiás convertida em mercadoria, sua condição de monumento à humanidade se presta, efetivamente, a alguma memória cidadã?
Provocação quarta: será um exagero de Heitor Dhalia, em O cheiro do ralo, fazer com que Lourenço identifique a garçonete desejada apenas pela bunda? Não seria isso que, no frigir dos ovos, importa à animalidade machista acesa apenas pelo cheiro do sexo, como se existisse um suposto estro feminino a serviço do falo-egocentrismo? Em conseqüência disso, será mesmo que nós espectadores não deveríamos encarar nossa própria ridicularidade? No mais, não seria o mundo de funcionamento limitado de O cheiro do ralo um mundo comum, tipificado na narrativa? Sendo-o, por que estaria aí um pecado do filme? Não sei, talvez eu esteja enganado. Talvez os leitoresnautas possam atender a esta provocação, visto que eu não sei as respostas, apenas as perguntas. Este é o caminho sugerido, creio eu, por Cristiano Pimenta, em “Êxtimo” — desta vez, dedicada a uma reflexão sobre a sexualidade machista no âmbito do filme de Heitor Dhalia, segunda a ótica lacaniana de nosso colunista.
E realmente me parece que nesta ruído branco 5 nossos colunistas, exceto este que também é editor, estão dispostos a provocar e provocar mais e mais vocês, leitoresnautas. Eu, sendo um, não ficaria calado. O próximo caso, provocação quinta: “Pocotó: uma odisséia musical” é a peça de Paulo Guicheney desta edição. A versão do clássico eqüino é orquestrada pelo próprio Guicheney, e também por Karlheinz Stockhausen, pelo Pe. Marcelo Rossi, por Philip Glass, Heitor Villa Lobos e pelo silêncio de flauta ausente do compositor goiano Estércio Marquez Cunha. Simplesmente uma piada, como quis nosso colunista, ou um presente para seu gosto musical, caros leitoresnautas?
Como provocação pouca é bobagem, então provoco mais: provocação sexta: voltando ao cinema, e agora numa polêmica perspectiva ética: Amarelo manga e Baixio das bestas, de Cláudio Assis, são fracassos éticos e estéticos? É mesmo o primeiro francamente ruim e o segundo realmente intolerável? E seria tolerável intolerar? Limita-se o diretor a “um discurso esquerdista fuleiro, morto e enterrado”? Ou as imagens e a previsibilidade dos filmes são propriedades de um mundo cru latindo nas ruas e o esquerdismo ainda é o equilíbrio na balança das tensões sociais? Tanta perturbação é o que acredito que pode prender vocês, leitoresnautas, a “Mieloma de Ocasião”, de André de Leones. Como antes, também acho que não sei as respostas.
Ruído branco, como todos sabem, não acaba em suas colunas. Em “Contribuições” há o conto “Solidão no 303”, de Leandro Resende — jornalista da área de economia do jornal O popular. Ainda nesta coluna, o reconhecido publicitário goiano e poeta Marcos Caiado nos dispôs alguns de seus poemas. Notem todos que esta coluna, a partir desta edição, está vinculada à sessão “Submissões”, onde tratamos de nossas “exigências” para participação em ruído branco doravante. Outra novidade no menu à direita é a sessão “Expediente”, que denuncia, mais de perto, quem somos. E como disse, ruído branco não acaba nas colunas e também nas sessões: espero ouvir um debate fervoroso com todas as provocações. Para tanto, basta escrever para o e-mail abaixo. Estou esperando!
jamesson buarque